terça-feira, 7 de maio de 2013

“Como é que faz para ter um emprego desses?” (Eu resolvi contar!)

Foto: http://migre.me/es2qI
No órgão em que trabalho como servidor público (concursado ressalte-se), o expediente às sextas-feiras encerra-se às 13 horas. Muitas vezes acontece de eu cruzar com alguém na rua e ser surpreendido com a pergunta, quase 100% das vezes em tom de sarcasmo: “Como é que faz para ter um emprego desses?”.
Para começo de conversa, gostaria de registrar que sim, eu trabalho 40 horas semanais, porém, da forma como são distribuídas pela administração da entidade, as sextas-feiras o nosso expediente é menor, mas é contínuo, sem parada para o almoço (consequentemente eu sempre almoço tarde nesse dia da semana...).
Orgulho-me muito da forma como cheguei ao serviço público, não por supostamente me achar melhor do que ninguém, mas sim pela forma como fui apoiado e incentivado principalmente por dona Nice, minha mãe, bem como pelo exemplo de profissional e ser humano que foi o meu saudoso pai, Domingos, que já não estava mais comigo quando passei no meu primeiro concurso.
Comecei a trabalhar muito cedo (vide: http://migre.me/erZsa) e antes mesmo de terminar o meu contrato então como Jovem Aprendiz do Banco do Brasil, já tinha decidido que ingressaria no serviço público, porém, só não sabia como iria fazer isso, o que era absolutamente normal para um jovem de 17 anos numa época em que não tínhamos acesso à internet como hoje!
Sem a menor condição de cursar uma faculdade particular, cujas mensalidades eram além das possibilidades financeiras da minha família e sem poder sonhar com a UFBA, cujos cursos eram quase que em sua totalidade diurnos e eu precisava trabalhar, a academia era algo completamente distante da minha realidade naquele longínquo ano de 1994. Enquanto meus amigos que podiam (ou não, coitados) queriam ir para a faculdade, eu depositava minhas esperanças em conseguir um emprego estável (E com o crachá de PVC, pois, eu quando garoto achava muito "chique" o povo dos bancos e do Polo Petroquímico que passavam por mim usando os seus crachás de PVC! Vai entender? Coisas de garoto!)...
Em 1995, já fora do banco, com o dinheiro da rescisão contratual e do FGTS, investi em um curso de informática numa escola renomada (Por sinal muito cara! Quem da minha época não se lembra da BYTE Informática?), algo que era novidade e que poderia me garantir uma empregabilidade maior, para eu poder concretizar meu desejo de ser servidor público. Antes disso eu já tinha cursado datilografia de graça, oferecido pela Prefeitura de Camaçari. O curso de informática era dividido em 3 semestres cada módulo (123 - básico, 456 - intermediário e 789 - avançado) e eu só tive dinheiro para pagar o primeiro. A partir do segundo módulo, já desempregado ou só fazendo trabalhos temporários, quem pagava meu curso e o meu transporte era minha mãe, e com o troco da passagem do ônibus Camaçari x Lapa junto com o dinheiro do lanche que eu deixava de fazer, ia juntando para poder sair de vez em quando nos finais de semana, até surgir uma oportunidade...
Até passar em um concurso, eu me virava como podia numa época que emprego já era algo muito difícil, principalmente para quem não tinha o velho QI (quem indicasse), foi aí que um dia quando eu tinha pouco tempo de completado 18 anos, minha mãe, então funcionária do colégio CEMA de Camaçari, me trouxe a informação, passada a ela por uma colega do trabalho, sobre o concurso do Tribunal de Contas junto com o da Assembleia Legislativa da Bahia. Li o edital com muita atenção e descobri que para Camaçari numa das inspetorias do TCM, existia UMA VAGA para a qual estaria apto, pois, eu tinha praticamente acabado de completar o antigo segundo grau (hoje nível médio)! Fui ao velho banco BANEB (vulgo "Banebão) para fazer minha inscrição (claro, paga por minha mãe), sob o olhar de desdém da funcionária do caixa (outra história para eu contar com mais detalhes depois em outro texto).
Eu precisava estudar muito para as provas e o que tínhamos naquela época eram os cursos para concurso (todos em Salvador) ou estudar por conta própria com apostilas vendidas em bancas de revistas. Eu só tinha a segunda opção, ainda assim com algumas restrições. Minha mãe (mais uma vez ela, meu amor) me deu o dinheiro para comprar apostilas, mas, quando cheguei à banca que ficava em frente ao Colégio Central em Salvador, o dinheiro só dava para comprar da mais simples, cujos assuntos nem eram assim tão atualizados. Trouxe-a assim mesmo, já que era o que eu podia!
A partir daí, como eu estava desempregado (e isso já durava quase oito meses) eu tinha o hábito de por minha apostila debaixo do braço, pegar um pacote de bolacha “cream cracker” e passar o dia inteiro sentado ao lado do Fórum da justiça estadual, no Centro Administrativo Municipal de Camaçari, lendo tudo e respondendo os exercícios. Lá era tranquilo, arejado e um lugar que eu adorava passar horas estudando, estudando e estudando... EU PERDI FESTAS, EU PERDI FARRAS, EU PERDI FINAIS DE SEMANA, EU PERDI NOITES, EU PERDI ATÉ UMA NAMORADA QUE TINHA NA ÉPOCA, pois, nem grana para comprar um pirulito eu tinha, MAS NUNCA PERDI A FÉ E A ESPERANÇA DE PASSAR! Fui fazer a prova no Colégio Carneiro Ribeiro, na Lapinha (claro, com as passagens de ônibus pagas por minha mãe) e quando o resultado foi publicado no jornal A Tarde, minha amiga Claudinha Almeida, filha do saudoso maestro e fundador da BAMUCA, Sinésio Almeida, me ligou de sua casa para me dizer: VOCÊ PASSOU E FOI O PRIMEIRO COLOCADO!
A segunda fase do concurso foi justamente de informática... Informática! Aquela mesmo que até fazer o curso na BYTE eu não dominava, mas que após concluí-lo, até “Certificado de Honra ao Mérito” como um dos melhores alunos da classe eu ganhei! O investimento estava começando a ter retorno! Teste de digitação, eu fiz tudo muito rapidinho, digitação era moleza, afinal, EU TINHA CURSADO DATILOGRAFIA! Pronto, a partir daí, com a publicação do resultado final no Diário Oficial do Estado, aquela ÚNICA (e concorrida) vaga foi a do garoto de 18 anos prestes a fazer 19, que passava o dia sentado estudando ao lado do fórum...
O fato é que lá se vão 16 anos de serviços prestados como servidor concursado no mesmo órgão público, cujos dias de trabalho que eu dedico paga as minhas contas, e apesar de já ter sido até aprovado até em outros concursos, resolvi ir ficando por lá, pois, em muitos casos além das condições serem melhores, até 2009 eu trabalhava a 15 minutos de casa, no centro de minha amada Camaçari (desde então estou lotado em Salvador).
Pois bem, para quem sempre me perguntou, foi dessa forma que consegui “ter um emprego desses”, que nem é o melhor do mundo, mas que me permite, por exemplo, garantir de forma digna o meu sustento, sair do trabalho às sextas-feiras a partir das 13 horas e estar de folga aos sábados, domingos e feriados! Hoje em dia, o que querem os garotos e garotas aos 18 anos? Festas? Farra? Futilidades? Muita gente hoje não quer estudar e quer que o “trabalho bom, com computador e ar condicionado” (como eu já ouvi de meio mundo) caia do céu igual à chuva no inverno... Isso não vai acontecer, pois, a vida de verdade é muito dura, "principalmente para quem é mole" (já dizia o ditado)!

Danival Dias
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