domingo, 7 de março de 2010

Léo Kret também merece respeito

Li uma “crônica” publicada numa revista local, fazendo referência à eleição do travesti LEO KRET à Câmara Municipal de Salvador, assinada por uma aspirante a jornalista – ainda estudante – que me causou sensações que variaram do espanto à preocupação. O texto, preconceituoso ao extremo, foi criticado por todos os presentes em uma das salas de debates de um fórum nacional que participei, e que assim como eu, na hora do intervalo folheavam a revista, cortesia junto ao material de apoio.

A jovem inicia dizendo que “tive que ter um pouco de cuidado para não escrever nada muito ofensivo”, como se para ofensa houvesse intensidade! Ofender, seja muita ou pouca a sua motivação, trata-se de ato desrespeitoso e que não deve ser praticado sob nenhuma hipótese por ninguém, principalmente por uma estudante universitária.

Ela atribui o status de “a última novidade sobre política” ao fato de um homossexual assumido ter conseguido vaga no legislativo, algo que não é inédito, haja vista que na última eleição para a Câmara Federal, o apresentador Clodovil Hernandes (falecido), também homossexual, sagrou-se vencedor como um dos Deputados mais votados pelo Estado de São Paulo.

Sem nenhuma espécie de pudor, respeito e principalmente amor ao próximo, a estudante classifica como “aquilo”, pura e simplesmente por causa da opção sexual do vereador eleito, um cidadão apto perante a lei – senão não teria concorrido – que venceu uma eleição legitimamente por meio da vontade soberana do povo, conforme garantem os princípios da democracia que fazem parte da Constituição Federal, direitos esses relativamente recentes, e que foram conquistados a custo de muita luta - e muitas vidas também, ressalte-se!

Ainda segundo ela, quem votou em LEO KRET supostamente “desperdiçou” o voto, elegendo “pessoas tão excêntricas”. Afirma ainda que, “Kret vai ganhar uma bagatela para ficar desfilando modelos de terminhos femininos (com nome masculino no RG, o que é contra a lei)” (sic).

Diante dos absurdos, fiquei me fazendo muitas perguntas para tentar compreender de onde essa moça tirou tanta bobagem. Afinal, desde quando excentricidade é sinônimo de incompetência política? Qual é a lei que diz que travestir-se de mulher é crime? Leo Kret não irá bem no exercício da vereança só porque é gay? Se ainda nem assumiu, quais os critérios para sugerir que Leo Kret não fará um bom mandato? Dentre os 41 vereadores eleitos na capital baiana, 16 são novatos, mas será que somente Leo Kret não está preparada?

A exceção justamente de LEO KRET, alguns dos eleitos ou reeleitos à Câmara de Salvador, possuem fichas sujas na justiça e estão sendo investigados pelo Ministério Público, alguns por terem tido suas contas rejeitadas pelos órgãos de controle, outros porque são acusados do desvio de recursos, verbas de gabinete e afins, o que não rendeu sequer uma linha na crônica da jovem estudante.

Portanto, se for mensaleiro, grampeador de telefones, assassino, forasteiro ou comprovadamente corrupto, pode ser eleito tranqüilamente, mas se for gay, não pode! Na cidade de Cruz das Almas/BA, foi eleito um catador de papel, em São Paulo o cantor e apresentador Netinho de Paula, em Goiânia o jogador de futebol do Vila Nova, Túlio Maravilha e em nada que li ou assisti sobre suas vitórias, os vi sendo chamados de incompetentes por antecipação por conta de um mandato que sequer iniciaram.

Mesmo não sendo seu eleitor, já que voto em Camaçari, ao contrário de muitos eu torço para que o mandato de LEO KRET seja um sucesso, como foi sua expressiva votação. Desta maneira, ganha Salvador, ganha o Estado e de certa forma, ganhamos também eu e você, povo, afinal, LEO KRET será bancada com dinheiro público, que pertence a todos nós... Torcer contra por si só já beira a insanidade, ainda mais pelos motivos apresentados!

O espanto e preocupação a que me referi logo no início, advêm do fato que LEO KRET está sendo crucificada e sumariamente julgada justamente por quem tem acesso aos difíceis bancos da academia, cuja formação, lhe habilitará num futuro próximo, justamente a ser mais uma formadora de opinião entre a sociedade. O que esperar do futuro, se age desta forma preconceituosa, hostil e demasiadamente desrespeitosa, justamente quem tem acesso a uma faculdade, que historicamente falando são centros de formação de conhecimento e cidadania?

Danival Dias
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Publicado originalmente em 17/11/2008 no jornal Camaçari Notícias, disponível em http://www.camacarinoticias.com.br/leitura.php?id=46165

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